31 de agosto de 2013

Entro no Mercado do Bolhão, junto-me aos turistas que tiram fotografias. Atrás de mim, alguém que vem a entrar diz: «Two or three months ago I dreamt about a place like this.» E então eu vejo os nossos sonhos a nascer dentro dos corredores, escada acima, escada abaixo, na boca dos vendedores, nas facas, nos baldes, debaixo das bancadas, uma matéria num devir que nunca cessa.

7 de agosto de 2013

Num restaurante, fico sentada atrás de uma montra à frente da qual está sentado um rapaz a pedir e leio-lhe nos lábios o solilóquio.
No jardim de um museu, dois cigarros fumados de seguida para expelir o fumo em direcção a um raio de sol sob uma árvore.
Numa loja reparo em pessoas que se escondem como leprosos, quando os empregados se dirigem a elas.

4 de agosto de 2013

Há muito, muito tempo atrás, ocultava-se por entre as densas florestas e profundos vales de uma grande montanha, um pequeno mosteiro budista. Nele habitavam 10 monges e 10 monjas que viviam abnegadamente, cumprindo com afã rituais e tarefas, praticamente os mesmos todos os dias.
Os monges acordavam antes do sol nascer e adormeciam quando a noite estava completa. Os seus dias eram límpidos, cheios de trabalho e mantinham entre si o zelar do silêncio. No fim do dia contudo, os 20 monges reuniam-se em redor de uma fogueira e nessa altura, podiam falar. Um dia, um monge pequeno e careca mas com uma longa barba branca, contou a história da filha do pedreiro da sua aldeia, nas margens do rio Nejanra, que enfrentou um vil imperador. Um monge sábio e respeitado por todos gostava de contar anedotas, por isso quando se preparava para falar, um sorriso surgia atrás das orelhas dos seus ouvintes. Havia uma monja cujas palavras se dirigiam ao coração e outra que tinha o dom de interrogar.
Entre as 10 monjas havia uma cuja beleza era a primeira coisa que todos queriam ver pela manhã. A sua prática era irrepreensível e devotada. Quando não estava a trabalhar, retirava-se para a montanha ou sentava-se na Sala do Buda do Umbigo Aberto. Nunca falava.
Entre os 10 monges havia um que era muito jovem. Tinha uma memória prodigiosa, uma imaginação arrebatadora, um raciocínio quase exótico e a modéstia do seu discernimento fazia com que até os animais o procurassem.
Cuidava do Poço das Relíquias Azuis, ocupava-se com a lavandaria e com a plantação na encosta mais íngreme da colina, a que os monges mais frágeis eram poupados.
O jovem monge observava de longe a devota, sem saber como aproximá-la. Um dia, decidiu escrever-lhe uma carta.
Todos os dias o monge deixou cartas de amor à porta do seu quarto. No entanto, quando regressava à porta do quarto da monja para deixar uma nova carta, o monge reencontrava a que tinha deixado na noite anterior.
Durante o dia, enquanto trabalhavam, os seus olhares cruzavam-se. O jovem não entendia a ausência de um sinal da bela mulher. Debatia-se com a sua conquista, procurando ser mais persuasivo a cada nova carta. Mas nada parecia interferir nos ritmos da monja, que continuava a isolar-se na Sala do Buda do Umbigo Aberto e partia longas horas para a montanha, regressando novamente para o meio do seu silêncio.
Um ano volvido, como acontecia todos os dias, a fogueira levantou-se e todos se reuniram. Neste momento tão íntimo, muitos queriam apenas mostrar-se gratos pelo cansaço que o dia trouxera. Mas neste dia, a bela monja levantou-se e deu um passo em direcção à fogueira. Como nada surpreende mais na vida do que romper com um hábito, todas as cabeças se voltaram para ela. Olhando para o centro da fogueira disse: «Se me amas, levanta-te.»